A Teoria do Iceberg, de Ernest Hemingway


A teoria do iceberg
é uma técnica narrativa elaborada pelo escritor americano Ernest Hemingway, que pode ajudar na criação de histórias de ficção.

Quando jovem, Ernest Hemingway foi jornalista no jornal The Kansas City Star. Com o trabalho no jornal Hemingway aprendeu a escrever sobre eventos mais imediatos, mais cotidianos, e que não exigiam muito contexto e interpretação para serem entendidos. 


Quando resolveu se tornar um escritor, Hemingway manteve esse estilo minimalista, concentrando-se nos elementos superficiais sem discutir profundamente sentimentos e ações dos personagens de suas histórias.

Mas, engana-se quem pensa que as histórias dele são superficiais como ele quer fazer parecer…

Então, sabemos que Hemingway iniciou sua carreira como escritor ainda jovem e os 
primeiros passos rumo ao seu sucesso foram dados no jornal The Kansas City Star, onde trabalhou antes de voluntariar-se como motorista na Primeira Guerra Mundial. 


Apesar do pouco tempo que passou no jornal, ele pôde conversar com os jornalistas mais experientes a respeito de técnicas de redação, que no futuro ele iria adaptar em seu estilo como escritor. 

Ernest veio a aperfeiçoar a arte de dizer muito mesmo usando a economia de palavras. Hemingway dedicou-se a essa tarefa com tal afinco que foi capaz de desenvolver um estilo próprio a partir do princípio do Iceberg, sempre defendendo o lema de que “menos é mais”.

Hemingway acreditava que o significado mais intenso de uma história não deveria ser evidente na superfície, mas deveria transparecer de modo implícito, nas entrelinhas do que estava sendo contado na história. 

O próprio Hemingway definiu seu estilo de escrita como a arte da omissão. Ele acreditava que era possível escrever de modo a fazer com que o significado do que escrevia não aparecesse na superfície da narrativa, mas sim abaixo dela, o que iria forçar o leitor a "escavar" as entrelinhas do texto em busca do significado escondido. 


 Hemingway acreditava que seus cortes na narrativa da história fortaleciam suas tramas e faziam com que os leitores sentissem algo além daquilo que podiam compreender apenas com a leitura do texto. 

Foi mais ou menos por volta de 1923, que Hemingway estruturou essa ideia de uma teoria da narrativa que se convencionou chamar de teoria do iceberg, onde "a parte omitida fortaleceria a história", mais ou menos como em um iceberg, onde a parte visível fora da água talvez seja de uns 20% , enquanto 80% do iceberg está invisível, embaixo da linha da água. 

A teoria do iceberg tornou Hemingway famoso por um estilo simples, objetivo e cuidadosamente estruturado, no qual ele buscava aproveitar 
ao máximo o mínimo de informação possível.

Frases curtas e rítmicas oferecem uma sucinta descrição geográfica e psicológica, concentrando-se mais na ação do que nos pensamentos das personagens. A falta de detalhes deixa por conta do leitor o "não-
dito", os casos omissos, a informação implícita que representa a grande porção escondida em suas linhas.

O estilo de Hemingway foi duramente atacado ao longo de sua carreira e muitos críticos diziam que seus textos tinham uma estrutura simplória, superficial e até mesmo infantil. 
 
No entanto, no caso de Hemingway, escrever de forma simples não implicava na produção de uma obra simplória. Vários críticos literários diziam que apenas quem era incapaz de perceber a enorme estrutura do iceberg que estava abaixo da água era que considerava os textos de Hemingway como superficiais...

Mesmo que você esteja escrevendo ficção científica, você pode utilizar essa técnica do iceberg, mostrando penas parte do enredo, para forçar o leitor a mergulhar mais a fundo na sua história se quiser ter uma visão completa dela. Isso pode enriquecer muito a sua história. 

Vamos ver alguns exemplos de como Hemingway usava essa técnica do iceberg?


Ele tem um conto chamado "Colinas Como Elefantes Brancos".

Nesse conto, um jovem casal americano aguarda pelo trem em uma estação para viajarem a Madri. Tudo o que se sabe é que o trem vai chegar em quarenta minutos e, enquanto isso, os dois ficam conversando o que parece ser um monte de coisa com coisa, e bebendo uma cerveja, o rapaz passa um bom tempo olhando pras malas e dizendo que ela não precisa fazer nada se não quiser, enquanto a moça fica olhando as colinas ao longe, que aos olhos dela parecem elefantes brancos.

Ele diz que não consegue ver o elefante branco, e ela diz que ele jamais seria capaz de ver mesmo. Ele diz que outros já fizeram e são felizes, e ela diz que faria qualquer coisa pra fazer ele feliz…

Aparentemente a conversa deles não é sobre nada importante, sendo na verdade bastante banal. Mas, aí a gente pode mergulhar mais a fundo nessa história, tentando ver a parte do iceberg que está a baixo da água. 

Elefante branco é uma expressão utilizada para classificar algo valioso ou que custou muito dinheiro, mas que não possui utilidade ou importância prática.

Em alguns países da Ásia existe uma lenda que fala que reis honrados podiam receber dos deuses elefantes brancos, que eram extremamente raros, e significavam que os reis eram bons e honrados, só que os elefantes brancos não podiam ser usados na lavoura, nem na guerra, nem em nada, sendo na verdade um peso para o rei.

No conto a moça vê elefantes brancos, mas o rapaz não, simbolizando que talvez ele não seja uma pessoa honrada. Também é importante mostrar ele olhando para as malas, o que pode significar que ele gosta do seu estilo de vida, da sua liberdade para viajar, ou pode ser que ele queira abandonar a moça. 

Sem que o assunto seja abordado de forma direta, o casal está discutindo a possibilidade de um aborto para que suas vidas sigam normalmente sem as obrigações que um bebê, certamente, traria a ambos.

Mas, isso está acontecendo abaixo da linha da água…


Um outro exemplo da teoria do iceberg na prática é o microconto “Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados”.

Por qual motivo alguém venderia sapatinhos de bebê nunca usados?

Será que o bebê morreu antes de nascer?

Será que era esperado uma menina, mas, veio um menino?

Não tem como a gente saber, mas, a gente sabe que esse microconto é só a ponta do iceberg…


O último exemplo é o livro O Velho é o Mar.

A narrativa é aparentemente bem simples, e conta a história de Santiago, que é um velho pescador cubano, que depois de um longo tempo sem conseguir pescar nada, pesca um peixe gigantesco, de mais de 600 quilos. 

Depois de lutar por muitas horas com o peixe, Santiago consegue provar pra si mesmo que é um grande pescador, e amarra o peixe em seu barco e retorna para a costa cubana. 

Porém, ao chegar na praia ele constata derrotado que o peixe foi completamente devorado por tubarões, sobrando apenas sua carcaça.

Na superfície a história é só de um homem idoso que não consegue mais realizar a sua profissão, porém, em baixo da superfície o romance trata da solidão, da luta desesperada do homem contra a natureza, do homem contra a passagem do tempo, da experiência da derrota, e de como por mais que a gente se esforce às vezes não vamos conseguir ser bem sucedidos em algumas coisas que a gente faça…

Isso é a teoria do iceberg de Ernest Hemingway, e eu acho que podemos ganhar muito se a gente tentar escrever histórias que não se contentem em ficar apenas na superfície. 




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