Bolívar

Bolívar


Capítulo 1


Eu sou um homem brasileiro, ou seja, um homem corrupto até a alma. Não se zanguem, isso não significa que não amo o Brasil, ou vocês, meus milhões de concidadãos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Posso ser corrupto e patriota ao mesmo tempo. Não precisa ficar irritado comigo apenas por constatar que o que eu estou falando é a mais pura verdade. Gostamos de ser vistos como malandros, mas, com rigor, somos apenas corruptos. Verdades inconvenientes não deixam de ser verdade apenas por serem indigestas.


Desde que me entendo por gente sempre estou querendo obter vantagem em tudo. E a culpa não é minha. Quando cheguei no mundo as coisas já funcionavam dessa maneira por aqui. Eu apenas fui um bom garoto, e aprendi tudo direitinho, imitando e repetindo o que via os adultos fazer. O modus operandi.


Meu pai é professor de História. Eu aprendi bastante com ele. Todos dizem a mesma coisa. O que está errado no Brasil, está errado há muito tempo. As pessoas preferiam ser roubadas por piratas em alto-mar do que aportar no Brasil e serem roubadas pelo governo na época da colônia.


É claro que se você quisesse enriquecer sem escrúpulos, e estivesse disposto a qualquer coisa para ficar rico, o Brasil era a terra das oportunidades. Em todos os lugares havia um excesso de homens vadios e canalhas prontos para ganhar dinheiro fácil.


Ouvi dizer que na época do Brasil Império, a Marquesa de Santos, amante favorita de Dom Pedro I, cobrava muito dinheiro para fazer indicações de qualquer pessoa que pudesse pagar para ocupar cargos públicos. E o que é pior, Dom Pedro I sabia do tráfico de influência, mas gostava mais do rabo de saia do que da honestidade. Não o culpo e não o julgo. Dois terços do número de pessoas que consideram isso reprovável fariam o mesmo.


A escola se gaba de nos preparar para a vida. Porém, acho que nos colégios nunca ensinam o que deveríamos saber realmente. Vai dizer que não seria mais prático os professores de História jogarem limpo com a gente, deixando de lado toda aquela ladainha do quanto foram heróicos todos aqueles matadores de índios e de escravos, revelando desde o começo toda a corrupção das épocas passadas? 


Você nunca ouviu o ditado popular que desvela a alma do brasileiro desde os primórdios? "Quem furta um pouco é ladrão. Quem furta muito é barão. Quem furta mais e esconde melhor, é visconde." Tá tudo dominado. Sempre esteve.


E mesmo que a república tenha sido instaurada pelos marechais, não foi a democracia que se tornou vencedora, e sim a corrupção é que foi instaurada como verdadeira forma de governo no Brasil. Houve suspeitas de desvios de dinheiro e  corrupção na construção da ponte Rio-Niterói. Houve suspeitas de desvios de dinheiro e corrupção na construção da usina de Itaipu. Houve suspeitas de desvios de dinheiro e corrupção na construção de Brasília. Houve suspeitas de desvios de dinheiro e corrupção na construção da Rodovia Transamazônica, e até hoje a sua construção nunca foi concluída.


E querer voltar à época das cédulas de papel nas eleições é optar pela volta do voto de cabresto. A única mudança visível seria a saída de cena dos coronéis, e o surgimento da figura dos milicianos. E se, no momento da apuração, o seu candidato estiver claramente derrotado, sempre dá pra fazer uma virada de mesa, uma 'eleição a bico de pena'. É assim no carnaval, é assim no futebol, não precisa ser diferente na política.


Eu fui um privilegiado. Meu pai sempre me explicava esses detalhes da História do Brasil desde que eu era ainda muito pequeno para entender tudo o que ele dizia, pois ele achava que estava me ajudando a desenvolver consciência e espírito crítico. E, a bem da verdade, ele estava mesmo, dado que eu sempre fui plenamente consciente da podridão do nosso espírito nacional.


O que posso fazer, sou inteligente o bastante para apreender o dito e o não dito, e ficar atento às lições que a vida nos dá. A gente só precisa riscar uma linha no papel e fazer as contas. A conta não bate. Estou sendo honesto quando digo que o brasileiro não foi forjado para a honestidade.


Independente se você comprou esse livro, numa grande livraria como a Travessa ou a Cultura, ou comprou pela internet na Amazon, ou talvez tenha roubado de um dono de sebo desatento, ou de um amigo, escondendo o roubo dizendo que apenas pegou emprestado, saiba que essa história é verdadeira. Não sou apenas um personagem numa história de ficção. Sou tão real quanto você.


Você, leitor real. Leitor brasileiro real e não abstrato, que pode ser todos e ninguém ao mesmo tempo. Vou escrever o relato da minha vida para todos, e especialmente para você de forma individual. Inclusive, quero que saiba que desejo que sinta que este livro é para você. Professor, advogado, ministro, empresário, secretário, jornalista, escritor, estudante universitário, não fique com a consciência tranquila, achando que só por falar da minha vida, não estou resumindo a sua. Eu não espero ganhar a sua boa vontade e simpatia.


Eu sou um homem brasileiro que ama as coisas em sua pureza natural, que gosta de recebê-las tal e como são, com claridade. Eu gosto de iluminar as coisas, de jogar às claras. Eu gosto de papo reto. Que falem exatamente o que querem, sem rodeios. Eu quero, antes de tudo, principalmente que você não se julgue melhor do que eu. Vou contar a minha história desde a época em que entendi que sou corrupto. Não me julguem, pois vocês também são brasileiros, e eu preciso de um pouco de condescendência.


Estou cansado dessa história de que 'o Brasil é corrupto, mas eu sou honesto'. 'O Brasil é preconceituoso, mas eu não tenho preconceito'. Se você pensa assim, provavelmente não tem espelho na sua casa. Ou se tiver um espelho, talvez você não costume fazer uso dele, ou seja daquele tipo de pessoa que esquece da sua imagem refletida segundos depois de olhá-la.


No entanto, quando eu olho no espelho não me vejo apenas. Vejo você. Me vejo homem, mulher, velho ou criança. Eu vejo você, e depois a imagem refletida pelo espelho atravessa minha córnea, depois a pupila e o cristalino, até que chega à retina onde me vejo. Vejo que sou um homem brasileiro, ou seja, um homem corrupto até a alma.


Esse livro é para você.


Quem quer que você seja, o que quer que você faça, onde quer que você esteja.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Teoria do Iceberg, de Ernest Hemingway

Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola, Maya Angelou

Todos os Gêneros da Ficção Científica - Space Opera